As “Diretas Já” foram uma luta social para que a democracia e os valores republicanos (da coisa pública) virassem lei. Em 05 de outubro de 1988, em decorrência da luta nas ruas, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, uma carta de direitos, com preocupação social.
A Democracia, a República, o direito à vida, o direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial, a igualdade perante a lei, a proibição de discriminação por raça, cor, gênero ou credo, a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, tornaram-se a lei maior do País.
Essa luta se deu nas ruas, inflada pelo movimento estudantil, mas organizada também junto aos mais diversos segmentos sociais: artistas, trabalhadores, intelectuais, políticos dos mais diversos espectros ideológicos, economistas, esportistas…
Agora, a História tem mostrado que a luta para escrever os direitos no papel é uma. Já a luta para transformar esses direitos escritos na Constituição em realidade é outra.
A História também tem mostrado, repetidas vezes, que entre a conquista da primeira e o amadurecimento da segunda é necessário tempo.
Trinta e três anos depois da promulgação da Constituição – a idade de Cristo, para aqueles que acreditam nessas coincidências históricas – o país amadureceu a percepção de que os direitos inscritos nos artigos da Lei Maior, não se concretizaram, não se tornaram carne.
Ocorre que o dia 03 de Julho de 2021, o #3J, marca o início desse amadurecimento.
Trinta e três anos depois da promulgação da Constituição, uma nova geração de brasileiros amadureceu a consciência de que a democracia conquistada nas ruas pelas “Diretas Já” não saiu do papel, a República foi corrompida para o uso de poucos, um punhado de famílias, a Justiça não tem se mostrado imparcial, a lei aplica-se de maneira desigual entre os cidadãos, as mortes, a privação de direitos, a falta de oportunidade, as vítimas de violência pelo Estado têm raça, cor e gênero, a liberdade de expressão é suprimida diariamente, o reconhecimento do território indígena ainda é uma ficção e a liberdade religiosa tem que ser exercida às escondidas.
Trinta e três anos depois da promulgação da Constituição Cidadã, uma nova geração de brasileiros soma-se à geração das “Diretas Já” numa luta para que os direitos, para que o espírito da Constituição de 1988 saia do papel e torne-se carne.
Essa luta social por direitos, mais uma vez, se dá nas ruas.
É nas ruas que esse um novo movimento estudantil, somado à geração das “Diretas Já” lutam para que o direito à vida não seja apenas palavras e entre numa seringa e imunize os corpos dos brasileiros que estão expostos ao vírus causador da maior pandemia do século. A luta pelo direito à vida não é mais uma abstração. É uma luta contra a morte. Contra mais de meio milhão de mortes.
É nas ruas que os estudantes, junto com os trabalhadores do serviço público, estão lutando contra a Reforma Administrativa, para que a Saúde, um direito social adquirido na Constituição de 1988, chegue a cada brasileiro, por meio de um Sistema Público de Saúde – SUS fortalecido, sem apadrinhados políticos e não desmanchado em favor de planos privados.
É nas ruas que o movimento negro e a comunidade LGBTQIA+, junto com o movimento estudantil, tem exigido que a proibição de discriminação por gênero e raça saia da impressão monocromática do papel e alcancem toda a palheta de cor, toda a diversidade, cada tipo de corpo, cada forma de amar.
É nas ruas que os povos indígenas, com suas novas lideranças, junto com os estudantes, vêm explicar à população brasileira que o mapa não é o território. A imposição de um mapa, linhas cartográficas, com marco temporal, não levam em conta o vínculo de uma cultura com a terra, com os lugares sagrados de um povo, com os lugares de memória de uma etnia. E que o que está garantido na Constituição de 1988 não é um título de propriedade rural aos indígenas, o que a Constituição garantiu foi o reconhecimento, a proteção, o respeito e a demarcação de um território, um espaço vinculado à história e a cultura dos povos indígenas.
É nas ruas que os estudantes, junto com jornalistas livres, vêm repetir o bordão do processo de redemocratização de que o “Cala a Boca Já Morreu”, e reafirmar que o Brasil é um país em que não cabe a censura. É nas ruas que a liberdade de expressão ganha corpos, ganha vozes, ganha timbres, ganha cores, ganha gêneros.
Nas ruas, estudantes e cidadãos estão cobrando que a lei se aplique para todos, com imparcialidade. O Estado de Direito garantido na Constituição de 1988, está sendo exigido nas ruas, porque ele ainda está apenas no papel.
Em Campo Grande/MS, no dia 03 de Julho de 2021, como no resto do Brasil, uma nova fase na luta por direitos começou seu amadurecimento. Quase 33 anos depois da promulgação da Constituição de 1988, uma nova geração de estudantes ocupa as ruas, criando o palco para que a sociedade reivindique a concretização da Democracia e da República escritas na Lei maior.
Dessa vez, a luta não é para que os direitos sejam escritos no papel. Dessa vez, a luta é para que os direitos sejam escritos nos corpos, nas instituições democráticas, e nos espaços republicanos.
O ato do dia 03 de Julho de 2021, mostrou que os estudantes querem que os direitos se façam carne, mostrou que os próximos movimentos serão maiores, pois os direitos estão, literalmente, ganhando corpo. O dia #3J mostrou que talvez, no aniversário de 33 anos da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 2021, as ruas insuflem uma nova redemocratização do País.
Henrique Komatsu, Coordenador de Comunicação e Relações Sociais do SINDJUFE/MS