No momento em que o governo se prepara para realizar concursos públicos e voltar a contratar servidores, o andamento da Reforma Administrativa deve opor o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros integrantes da equipe econômica do governo Lula.
Lira pretende tocar em 2024 as discussões sobre a Reforma Administrativa, tomando como base o texto enviado pelo governo Jair Bolsonaro em 2020. A proposta reduz a estabilidade de servidores, entre outros pontos dos quais o governo atual discorda. Líderes do Congresso veem com ceticismo o andamento da pauta em razão das eleições municipais e da falta de empenho da União.
Para enfrentar esse debate, o governo se prepara para defender uma tese contra uma reforma voltada exclusivamente para o enxugamento da máquina pública. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, comandado por Esther Dweck, e a equipe de Haddad têm o entendimento de que a reestruturação da carreira tem como premissa central a melhora na prestação do serviço público.
Integrantes do Ministério da Fazenda afirmam concordar com uma Reforma Administrativa com tópicos como revisão dos métodos de avaliação de servidores e progressões de carreira mais lentas, além de salários iniciais mais baixos. Mas avaliam que acabar apenas com a estabilidade do servidor, o principal enfoque da proposta em discussão na Câmara, não trará impacto direto no corte de despesas no médio prazo.
No entendimento do atual governo, a Reforma Administrativa correta seria um arcabouço de medidas, incluindo novos encaminhamentos e projetos já lançados, como o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) — para guiar o trabalho por metas de entrega e não por horários — ou o novo modelo de realização de concursos públicos unificados, inspirado no Enem.
O PGD foi regulamentado em 2022 na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, prevendo que o desempenho dos servidores seria avaliado “por resultados” e pela “qualidade dos serviços prestados à sociedade”, e não por frequência. O governo Lula continuou com essa premissa e detalhou mais o programa com duas instruções normativas publicadas em 2023 — uma delas nos últimos dias do ano.
É previsto, em caso de descumprimento do plano, desconto na folha de pagamento do funcionário público. Uma métrica de cálculo sobre quanto seria o desconto ainda será definida.
Os órgãos que aderirem ao programa devem organizar a sua força de trabalho pensando em ampliar a produtividade por áreas. Os servidores que forem entrando assinam um termo de responsabilidade com a chefia e passam a atuar com base em um plano de trabalho individual, como metas específicas.
“Quando você migra para o PGD, o objetivo da avaliação que vai ser usada, sobre como o servidor trabalhou, é o plano de trabalho dele. Na condição de não entrega ou entrega inadequada, se a chefia avaliar assim, o servidor vai repactuar um novo plano de trabalho”, afirmou o secretário de Gestão de Pessoas do Ministério da Gestão, José Celso Cardoso Jr.
No formato tradicional, pelo controle de frequência, o servidor pode ser punido com abatimento do salário se descumprir a jornada de trabalho prevista.
O governo prevê uma ampla adesão ao PGD, ao entender que a não necessidade de bater ponto — que será substituído por um controle de produtividade — será um atrativo. O ministério da Gestão está elaborando um sistema unificado que vai permitir a avaliação em tempo real da chefia sobre o desempenho do servidor. Até o momento 151 instituições estão no PGD, em processo de adaptação às novas regras.
Outro ponto em avaliação, como parte da Reforma Administrativa, é reduzir o número de carreiras do serviço público federal do total de 150 para algo entre 20 a 30. Além disso, uma possibilidade que ainda está sendo discutida internamente, é reduzir o salário inicial de novos servidores concursados (que ainda vão ocupar as vagas), de forma a aproximar as remunerações de entrada do setor privado.
Teto do funcionalismo
Para fechar a torneira para penduricalhos nos chamados “supersalários”, por exemplo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende um projeto que regulamenta o teto do funcionalismo. O texto foi aprovado na Câmara em 2021 e retornou ao Senado, onde aguarda definição.
A assessoria do presidente da Câmara afirma que o deputado vai colocar a PEC 32, proposta por Bolsonaro, em discussão neste primeiro semestre de 2024, junto ao colégio de líderes.
De acordo com assessores, Lira defende que o governo reduza as despesas, e a Reforma Administrativa é um caminho por dar maior racionalidade ao sistema de atendimento do serviço público. Lira pondera, no entanto, que as novas regras só passarão a valer para os novos servidores, garantindo direitos adquiridos dos servidores da ativa e dos aposentados.
A discussão de uma reforma tem resistências no Congresso em razão do ano de eleições municipais, o que leva os parlamentares a evitarem temas polêmicos. Além disso, o tempo é considerado curto e existe a necessidade de o governo apoiar a proposta para que ela caminhe com maior facilidade.
Risco do ano eleitoral
Deputados do centrão, que inclui partidos como PP, Republicanos e União Brasil, ressaltaram ao GLOBO, sob sigilo, que mexer com o funcionalismo público em ano eleitoral pode gerar rejeição. As eleições de prefeitos são essenciais na construção da base política dos parlamentares, principalmente dos deputados.
Lideranças afirmam que um novo texto pode ser construído junto com o governo em cima da PEC de Bolsonaro.
A PEC 32 está parada na comissão especial da Câmara dos Deputados desde setembro de 2021.
Ponto a ponto: propostas de mudança
Troca do controle de ponto por produtividade
Pelo Programa de Gestão e Desempenho (PGD), o tradicional registro de ponto é substituído pelo acompanhamento das entregas e metas compatíveis dos funcionários. O governo quer aumentar a produtividade dos servidores.
Concurso Nacional Unificado para escolha de servidores
A unificação de concursos para realização em todo o Brasil busca descentralizar o acesso aos serviços públicos. Quem ficar no cadastro de reserva também poderá ser convocado para suprir eventual necessidade de contratação temporária.
Progressão mais lenta de carreiras e salários iniciais menores
Uma ideia em discussão é reduzir a velocidade na progressão das carreiras, já que hoje se chega ao topo em poucos anos. Além disso, os salários iniciais podem ficar menores. Há vagas com remuneração de mais de R$ 20 mil nos concursos deste ano.
Fim dos penduricalhos com supersalários
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende projeto que regulamenta o teto do funcionalismo. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados, em 2021, e retornou para o Senado, onde ainda aguarda uma definição.
Fonte: O Globo