Autora: Zeneide Andrade de Alencar
CONTEXTUALIZAÇÃO
A Proposta de Emenda Constitucional nº 32, chamada de PEC da Reforma Administrativa, em tramitação na Câmara dos Deputados desde 03 de setembro de 2020, teve a iniciativa do Presidente da República e após passar pela avaliação da sua admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça, onde se analisa aspectos sobre sua constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimentalidade e de técnica legislativa, repousa, neste momento na Comissão Especial. Essa espécie de comissão temporária, criada especialmente para analisar a PEC 32, é composta por 34 (trinta e quatro) Deputados, deve pronunciar-se quanto a admissibilidade da PEC 32, sob o aspecto jurídico e legislativo e também sobre seu mérito, conforme estabelecem art. 34 e 53, IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – RICD.
Conforme consta nos Capítulos I e III, do Título VI, do RICD, os trabalhos da Comissão Especial tem prazo de até 40 sessões. Essa Comissão Especial foi instalada 09 de junho. O presidente da Comissão, atendendo a solicitação dos parlamentares, convocou o Ministro da Economia, Sr. Paulo Guedes, para prestar informações e promoveu 15 (quinze) audiências públicas com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil que tenham convergência com o tema, inclusive entidades sindicais, com a finalidade de obter contribuições que influenciaram na elaboração de emendas parlamentares e certamente consolidar a opinião dos parlamentares sobre o tema. Foram apresentadas 75 (setenta e cinco) emendas parlamentares para o aprimoramento do texto ou supressão parcial ou total da PEC. Finalizada a fase de apresentação de emendas e de realização das audiências públicas o Relator produziu o seu parecer, que tem caráter terminativo, nos termos dos arts. 54 e 129 do RICD, o qual será apreciado pelos seus pares, provavelmente entre os dias 14 e 16 de setembro.
O Relator, no caso, é o Deputado Federal Arthur Oliveira Maia (DEM-BA). No dia 31 de agosto de 2021 entregou o seu Parecer ao Presidente da Comissão Especial e no 1º de setembro, na 18ª reunião extraordinária dessa Comissão foi feita a sua leitura. Para surpresa de muitos, apresentou um texto substitutivo com alterações substanciais ao texto original apresentado em setembro de 2020. Agora o voto do relator será submetido aos seus pares na Comissão Especial e, conforme consta no art. 57 do RICD poderá ser acolhido, rejeitado ou substituído por outro texto. Caso seja inteiramente rejeitado, estabelece o inciso XII, a redação do parecer vencedor será feita até a reunião ordinária seguinte pelo Relator substituto.
É certo que essa proposta de reforma administrativa foi idealizada por burocratas do Palácio do Planalto, liderados pela equipe econômica do Min. Paulo Guedes, guiada pelo pensamento econômico liberal, que defende a mínima interferência do Estado na economia de um país, vale dizer, trata-se de uma formulação teórica de que o mercado é capaz de autorregular-se somente por meio das leis da oferta e da demanda, dispensando-se a atuação de um agente externo, o Estado. Para tanto, disseminam a concepção do Estado Mínimo, enxuto, necessário apenas para regular alguns poucos assuntos estratégicos ou alheios ao interesse ou atuação do mercado, como a defesa nacional, segurança pública, combate às fraudes, proteção aos contratos e direitos das pessoas, precedidos, óbvio, de uma estrutura normativa que delimita a ação do Estado e de seus agentes públicos. Apenas onde a iniciativa privada não tem expectativa de lucros, a ação econômica do Estado seria aceitável. Essa é, em síntese, a ideologia do liberalismo econômico, que muitos confundem, erroneamente, com a ideia de liberdade em seus múltiplos aspectos e democracia.
Com essas premissas em mente foi apresentado o texto original da PEC 32 que pugnava pela revisão do art. 37 da Constituição Federal acrescentando termos novos, os quais foram rechaçados pelos estudiosos de vários ramos da ciência, parlamentares da oposição ao governo e servidores públicos das esferas federal, estadual e municipal, em razão de que, se aprovada, promoveria completa desfiguração da Administração Pública responsável por dar efetividade aos fundamentos, objetivos, princípios e direitos previstos na Constituição, presentes nos artigos 1º ao 6º e também em outros dispositivos constitucionais, por meio da prestação de serviços públicos.
Feita essa breve explanação, teceremos comentários sobre o texto substitutivo protocolado em 1º de setembro de 2021, comparando-o, na medida do possível, com o texto original da PEC 32, protocolada em 03 de setembro de 2020.
PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O caput artigo 37 da Constituição prevê que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Na redação original da PEC 32 foram acrescentados os princípios da imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública e subsidiariedade. Além desses termos novos não serem considerados princípios, causou espanto a muitos a inclusão do princípio da subsidiariedade, que está atrelado a ideia de que à Administração Pública caberia uma função secundária, residual, na promoção do estado do bem-estar social aos habitantes deste país.
O protagonismo passaria a ser da iniciativa privada que, observando as leis do mercado, imediatamente criaria produtos e serviços para atender as necessidades da população, surgida naturalmente ou fruto do estímulo mercadológico. No seu voto o Relator admite que, no seu entendimento, houve um equívoco de origem por parte dos elaboradores da PEC 32, que partiram da premissa “de que havia necessidade de total ruptura do sistema administrativo inaugurado pela Constituição de 1988. O que ocorreria, se o texto original fosse acatado, seria exatamente este: a administração pública brasileira recomeçaria do zero, como se não pudesse ser beneficiada ou prejudicada nem por suas qualidades nem por seus defeitos.”
INCISOS DO ARTIGO 37 REVOGADOS TACITAMENTE
No texto substitutivo da PEC 32 não há alteração para o caput do art. 37. No entanto, ao criar os incisos XXX a XXXII para o art. 22, que refere-se ao rol de competências privativas da união para legislar e acrescenta as hipóteses de normas gerais de concurso público, políticas remuneratórias e de desenvolvimento de pessoas, gestão de desempenho e jornada de trabalho, ocupação de cargos em comissão, contratação por prazo determinado, condições para perda do cargo por desempenho insatisfatório ou declaração de desnecessidade do cargo, fazendo alusão aos arts. 37, 39, 39-A e 41, acaba por suprimir a eficácia dos incisos I, II, III, IV, V, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XIV, do artigo 37. Portanto, ocorrerá uma revogação tácita, uma vez que no conflito de duas leis de mesma hierarquia, aplica-se a norma mais recente.
Esses incisos do art. 37 dizem respeito à acessibilidade e investidura a cargos públicos, concursos públicos, funções de confiança e cargos em comissão, remuneração e teto remuneratório. Apesar tratar-se de norma geral, não deixa de ser um ataque à autonomia dos Estados e Municípios para estabelecerem suas próprias diretrizes no que diz respeito a forma de gestão de pessoas a serviço da sua população, conforme a distribuição de competências prevista nos art. 23 e 24.
Desta forma, o art. 37 será praticamente desfeito, subsistindo apenas as regras do direito à livre associação sindical e greve (VI e VII), de acumulação de cargos (XVI e XVII), precedência da administração fazendária e de seus servidores sobre os demais (XVIII), regras para criação de autarquias e empresas púbicas (XIX e XX), licitações (XXI) e a consideração sobre a essencialidade das administrações tributárias (XXII).
A única revogação explicita no texto substitutivo da PEC 32 é para o §5º do art. 39 da CF, que estabelece que leis da União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderiam estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos.
CARGOS EXCLUSIVOS DE ESTADO
O substitutivo excluiu todos aqueles dispositivos que constava na proposta original da PEC 32 relativos à nova composição e configuração de cargos e vínculos com a Administração Pública, notadamente quanto a investidura em cargos típicos de Estado, com vínculo por prazo indeterminado e a vantagem da estabilidade; investidura em cargos com vínculo por prazo indeterminado, sem estabilidade; a investidura em cargos ou empregos públicos com vínculo por prazo determinado, sem estabilidade; os cargos de liderança e assessoramento e o vínculo de experiência. Além de confusos, havia indefinição quanto a natureza do vínculo de experiência e falta de segurança jurídica.
No entanto, o substitutivo apresenta, na proposta de nova redação para inciso IX do art. 37, uma outra nomenclatura: Cargos Exclusivos de Estado “assim compreendidos os voltados a funções finalísticas e diretamente afetas à segurança pública, à representação diplomática, à inteligência de Estado, à gestão governamental, à advocacia pública, à defensoria pública, à elaboração orçamentária, ao processo judicial e legislativo, à atuação institucional do Ministério Público, à manutenção da ordem tributária e financeira ou ao exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle.”
E nesse particular houve uma mudança quase imperceptível: o texto original da PEC 32 assegurava a estabilidade os “cargos típicos de Estado”, já o substitutivo reporta-se, na redação do inciso IX do art. 37, a “cargos exclusivos de Estado”. A diferença de “ cargo típico” para “ cargo exclusivo” é que no primeiro caso enquadram-se servidores ocupantes de cargos que não tem correspondência com os da iniciativa privada, enquanto que “cargo exclusivo” está relacionado ao exercício de atribuições próprias de cargos voltados para as funções finalísticas diretamente afetas àquelas áreas enumeradas no referido dispositivo. Em ambos os casos há muito subjetivismo e incertezas, ainda mais porque, com a facilitação de acesso ao uso de computadores para a realização das tarefas, a distinção entre atividade-meio e atividade-fim ficou menos óbvia.
Não resta dúvida que a opção do Relator é mais restritiva que o texto original, porque enumera, de forma exaustiva, quais são as funções finalísticas que acolhem cargo exclusivo de Estado para as quais não se permite a substituição de cargos públicos por contratações por tempo determinado.
CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS PÚBLICOS POR PRAZO DETERMINADO
O inciso IX do art. 39 inicia-se com a expressão: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado em regime de direito administrativo para atender a necessidade temporária que não poderá ter como objeto o exercício de atribuições próprias de servidores investidos em cargos exclusivos de Estado”. Depreende-se que essas contratações serão regidas pelo Direito Administrativo e não pelas normas do Direito do Trabalho.
A contratação de pessoal por prazo determinado para atender necessidade temporária será feita mediante processo seletivo simplificado, sem restrição para os casos não enquadrados como cargo exclusivo de Estado. E o prazo dessa contratação poderá ser por até 6 (seis) anos, incluídas as prorrogações (art. 3º). Pergunta-se: que necessidade temporária é essa que perdura por até seis anos?
Agora, pasmem: esses empregados públicos contratados por prazo determinado não terão direito aos benefícios pagos pelo INSS, tais como o seguro desemprego e a aposentadoria previstos nos incisos II e XIV do art. 7º, da Constituição Federal. Isso porque no § 6º do art. 3º do substitutivo da PEC 32 não assegura esses direitos a esse conjunto de trabalhadores. Cria-se portanto uma situação em que tais empregados não terão contribuição individual e patronal para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Então está sendo gestada uma legião de miseráveis inaposentáveis. Pessoas que efetivamente trabalharam mas, por não terem contribuído para o RGPS, não terão direito à aposentadoria.
Atualmente a contratação por prazo determinado ocorre para atender necessidade temporária de excepcional de interesse público relacionadas na Lei nº 8745/93. Essas necessidades são associadas a calamidades públicas, emergências em saúde pública, recenseadores, professores, pesquisadores e outras atividades relacionadas com as forças armadas, vigilância sanitária, desastres ambientais, acordos internacionais, entre outras.
Entretanto, se for aprovada essa PEC 32, esse tipo de contratação passará a ser a regra. E não há demonstrativo de economicidade alguma nessa proposição. Além disso, a tais empregados contratados certamente será reconhecido o direito, via judicial, à mesma remuneração paga pelos servidores efetivos, uma vez que realizarão as mesmas atividades. Isso porque o inciso XXX, do art. 7º da Constituição Federal estabelece que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (…): “XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo,idade, cor ou estado civil.”
Por outro lado, essa possibilidade de contrato por prazo determinado suplanta a ideia de se generalizar a terceirização na Administração Pública ou de se promover a transferência pura e simples da execução dos serviços públicos para a iniciativa privada, como se pretendia no texto original da PEC 32. Na terceirização, o empregado terceirizado é vinculado à empresa contratada para prestar serviços a um determinado órgão público, tem um índice de rotatividade alto prejudicando a continuidade e a qualidade das atividades em razão das constantes trocas de empregado. O substitutivo, ao criar uma possibilidade de manutenção da execução das atividades pela própria Administração Pública, por meio de pessoal próprio, alguns com vínculo efetivo, com estabilidade ou não, outros com vínculo precário, contratados temporariamente, resguarda um pouco a continuidade e a qualidade da prestação do serviço.
No entanto, é notório que o resultado final, tanto pelo texto original como pelo substitutivo, será a precarização das relações de trabalho empregado-empregador, das relações interpessoais entre os servidores e empregados públicos e, em breve tempo, a extinção de muitos cargos públicos. Isso porque a implementação generalizada desse instrumento de contratação temporária inevitavelmente provocará a concepção de desnecessidade de cargos efetivos. E o mais importante: tudo isso tem conexão como previsto no art. 37-A, que trata do compartilhamento da estrutura física das repartições públicas com entidades privadas para a execução de serviços públicos, mediante termos de cooperação. E mais: provocará um desfalque assombroso na arrecadação de contribuições para os Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores da União, Estados e Municípios, devido a substituição de servidores dos efetivos, concursados, por empregados contratados por prazo determinado. O próprio governo está levando os RPPS a situação de deficit atuarial, sem assegurar direitos adquiridos ao pagamento dos proventos dos aposentados atuais.
Destaca-se, por fim, que para esse conjunto de trabalhadores contratados não serão assegurados os seguintes direitos previstos no art. 7º da Constituição, como se observa da leitura do § 6º, do art. 3º, do substitutivo: seguro desemprego, aviso prévio, proteção do mercado de trabalho à mulher, aposentadoria, auxílio creche, reconhecimento de convenções e acordos coletivos, seguro contra acidente de trabalho, direito de ação prescritível em 5 anos, proibição de diferenças de salário em razão de sexo, origem ou cor, entre outros. Como mencionado anteriormente, não serão segurados de nenhum regime previdenciário capaz de lhes assegurar, pelo menos, uma aposentadoria na velhice.
TRANSFERÊNCIA PARA ENTIDADES PRIVADAS DA EXECUÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
Subsiste, no texto substitutivo, o ânimo de firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento da estrutura física e a utilização de recursos humanos particulares, com ou sem contrapartida financeira (art. 37-A). Uma forma de transferência da atividade para entidades privadas. O seu § 4º desse artigo deixa transparecer que servidores públicos poderão fazer parte do compartilhamento, ressalvados aqueles que desenvolvem atividades privativas de cargos exclusivos de Estado.
ESTABILIDADE NO CARGO PÚBLICO
Outra situação importante que afeta os servidores públicos de maneira geral é quanto à estabilidade: De acordo com o texto original a estabilidade seria adquirida um ano após o término do vínculo de experiência, se o desempenho do servidor fosse considerado satisfatório. Para os servidores ocupantes de cargo típico de Estado, esse vínculo de experiência seria de no mínimo um ano. Já para os servidores com vínculo indeterminado, o vínculo de experiência duraria dois anos, no mínimo. Os servidores com vínculo de prazo determinado e os ocupantes de cargos de liderança e assessoramento não teriam estabilidade alguma.
O texto substitutivo prevê, no inciso XXXIII do art. 22, que é competência privativa da União legislar sobre a perda de cargo por desempenho insatisfatório de servidor estável ou pelo reconhecimento de que o cargo se tornou desnecessário. Nos §§ 1º e 3º do art. 41 estão estabelecidas as regras para a perda do cargo em razão de decisão judicial proferida por órgão judicial colegiado e resultado insatisfatório de desempenho. Porém, no § 3º foi acrescentada a hipótese de extinção do cargo por obsolescência. Tanto para o reconhecimento da desnecessidade do cargo ou da sua obsolescência não há qualquer garantia de contraditório em favor de seus ocupantes ou interessados, desde a instauração do respectivo processo, podendo ocorrer desvios de finalidade na decisão que recomendar a extinção.
Se estiver ocupado o cargo considerado desnecessário ou obsoleto, seu o ocupante será indenizado, no valor correspondente a um mês por ano de serviço. Mas quando tratar-se de servidor admitido até a promulgação dessa PEC, no caso de extinção do cargo, ele ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao seu tempo de serviço, até seu aproveitamento em outro cargo. A modalidade de perda de cargo por obsolecência é uma inovação do texto substitutivo, pois a previsão de perda do cargo por desnecessidade está prevista na Constituição Federal desde a EC 19/98
Assim, o § 3º, do art. 41, associado ao inciso IX do art. 37 e ao art. 37-A compõe a fórmula para o desmonte dos serviços públicos. Aqui está a essência do projeto liberal dessa PEC 32.
SUPRESSÃO DE DIREITOS E VANTAGENS
Anote-se que os incisos XXIII, XIV e XV e os parágrafos 17 a 21 do art. 37 serão inovações da PEC 32.
O texto substitutivo mantém, no inciso XXIII, as restrições para pagamento de vantagens do tipo férias superiores a 30 (trinta) dias aos servidores, concessão de adicional por tempo de serviço, aumento remuneratório com efeitos retroativos, concessão de licença-prêmio por assiduidade, movimentação na carreira exclusivamente em razão do tempo decorrido, aposentadoria compulsória como modalidade de punição, substituições, exceto para funções comissionadas e concessão e pagamento de parcelas indenizatórias que não tenham requisitos e critérios de cálculo estabelecidos em lei. Essas restrições estavam previstas no texto original. É assegurada a continuidade dessas vantagens se estiverem garantidas por lei específica vigente até 1º de setembro de 2020.
Os §§ 17 a 20 do art. 37 referem-se a supressão de pagamentos de retribuição pelo exercício de função comissionada, honorários, parcelas indenizatórias outra vantagem de caráter não permanente quando o servidor estiver em licença superior a 30 dias, exceto se for em decorrência de tratamento de saúde, licença à gestante ou afastamentos a serviço do governo brasileiro no exterior e extinção de vantagens de caráter temporário e das incorporações de parcelas de quintos também para autoridades e os dirigentes de órgãos de todas as esferas governamentais.
DA REDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS
A possibilidade de redução da remuneração dos servidores está prevista no § 19 do art. 37. Na prática suprime a regra geral do inciso XV do art. 37, que estabelece a irredutibilidade do subsídio e dos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos. Mencionado §19 prevê a redução de até 25% da jornada de trabalho para o exercício de cargos públicos, com proporcional redução da remuneração.
Tal dispositivo não se aplica aos ocupantes de cargos exclusivos de Estado e assegura a opção facultativa aos servidores admitidos até a promulgação da PEC 32.
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
Quanto a acumulação remunerada de cargos, o texto original da PEC 32 ampliava a possibilidade de acumulação de cargos públicos se houvesse compatibilidade de horários e ausência de conflito de interesse, vedando essa autorização apenas para os cargos típicos de estado. Já o texto substitutivo é silente, então permanecem as mesmas regras dos incisos XVI e XVII art. 37, restrita aos professores, ocupantes de cargo técnico e profissionais de saúde.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À DISTÂNCIA DO USUÁRIO
Outro aspecto relevante desse substitutivo é a determinação de que será obrigatória a utilização de plataforma eletrônica de serviços públicos para permitir a automação de procedimentos, acesso dos cidadãos aos serviços e avaliação da sua qualidade, reforço e estímulo à transparência das informações sobre a gestão dos recursos públicos.
Esse dispositivo não estava previsto no texto original da PEC 32. Tem forte impacto na forma de prestação de serviços à população, dando preferência aos meios digitais em desfavor do atendimento presencial. Não leva em consideração a desigualdade de acesso aos serviços energia elétrica, rede de telefonia e de transmissão de dados pela população de locais de difícil acesso, pequenas cidades ou aglomerados urbanos distantes dos grandes centros, população rural, ribeirinhos, povos indígenas e a população de baixa renda de modo geral.
É para reduzir gastos, mesmo isso torne inacessível os serviços públicos para um grande contingente da população.
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
A avaliação de desempenho, que pode levar à perda do cargo se for insatisfatório, está prevista no art. 39-A. Tem a finalidade de aferir o desempenho individual em relação ao alcance dos resultados institucionais e servirá de base para a movimentação na carreira ou perda do cargo. Haverá duas avaliações de desempenho: (i) para aquisição da estabilidade, que considera ciclos semestrais até o final do estágio probatório e (ii) para a permanência no cargo, que considera ciclos anuais. O art. 2º do substitutivo estabelece diretrizes para a aferição do desempenho institucional, ao qual está atrelado o desempenho individual, a partir de definição de metas individuais.
Se, por três ciclos consecutivos ou cinco intercalados, for considerado insatisfatório o desempenho do servidor, inicia-se o processo administrativo para a perda do cargo composto por três servidores ocupantes de cargo efetivo ou, se for ocupante de cargo exclusivo de Estado, unicamente por servidores desse mesmo cargo. Se for invalidada a perda do cargo, o servidor será reintegrado, exceto se o cargo tiver sido extinto em razão da sua desnecessidade.
AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Alguns dispositivos que constavam no texto original não foram contemplados no texto substitutivo, como a alteração do art. 84, que ampliava as competências privativas do Presidente da República, relacionadas à extinção de cargos, de ministérios, de entidades da administração indireta (autarquias e fundações), transformação e reorganização de cargos do Poder Executivo Federal, mediante decreto, reservando à lei a criação de ministérios e órgãos da administração pública.
CONCLUSÃO
Não é difícil concluir que tanto o texto original da PEC 32 como seu substitutivo são cheios de incongruências e tem pouca sustentabilidade em dados que sinalizam o aprimoramento da prestação dos serviços à população, baseados na redução do número de servidores públicos efetivos e sua substituição por servidores contratados precariamente. Na análise da admissibilidade da PEC 32, o Relator reconhece que a questão do impacto financeiro e orçamentário decorrente das alterações em regimes jurídicos foi relevado porque somente ao longo da implementação do novo modelo é que se vai apurar esse impacto. Portanto a proposição não apresentou os relatórios econômico-financeiros atuais e estimativos necessários para a sua apreciação.
Quanto a redução do quantitativo de servidores públicos, se pesquisarmos os dados de outros países, independente da dimensão territorial ou das características da prestação dos serviços verifica-se que a quantidade e o volume de gastos com o pagamento de servidores públicos no Brasil comparativamente com o de outros países, não é o que fundamenta a proposição da PEC 32, mas tão somente a tentativa de implantação de um ideário econômico-liberal, sem maiores preocupações com a qualidade e alcance dos serviços públicos necessários a população, como forma de erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e compensar a má distribuição de renda aos brasileiros.
REFERÊNCIAS:
1) CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 set 2021
2) LEI Nº 8745, DE 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8745cons.htm Acesso em 08 set 2021.
3) PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 32, DE 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2262083. Acesso em 08 set 2021
4) REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimento-interno-da-camara-dos-deputados . Acesso em 07 set 2021
DADOS DA AUTORA:
Zeneide Andrade de Alencar. Advogada, Especialista em Direito Administrativo, servidora aposentada do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul e Coordenadora Administrativa do SINDJUFE/MS.
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